Saúde
Liminar do STF afasta possibilidade de gestantes e lactantes trabalharem em locais insalubres
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As trabalhadoras gestantes e lactantes tiveram importante vitória junto ao Supremo Tribunal Federal, no último dia 30 de abril, quando o ministro Alexandre de Morais deferiu liminar que suspende trecho da reforma trabalhista que admite a possibilidade delas trabalharem em locais insalubres.
A ação foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos e, em que pese se tratar de uma decisão preliminar, já que até o momento só foi analisada por um ministro, o relator Alexandre de Moraes, houve prévio entendimento de que há plausibilidade no pedido e que as mulheres nestas condições poderiam ser prejudicadas ao exercerem atividades insalubres levando assim a concessão da liminar de suspensão da reforma trabalhista, neste item.
LIMINAR
O trecho da reforma trabalhista analisado refere-se ao artigo 394-A, que assim estipulou e destacamos:
Artigo 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
(…)
II – atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação;
III – atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.
(…)
Ou seja, se a gestante/lactante apresentasse atestado de um médico de sua confiança, recomendando o afastamento dos locais insalubres, poderia ter seu direito concedido, o que não protegeria as gestantes/lactantes que não apresentassem tais atestados, devendo assim trabalhar nos locais insalubres.
Num país onde, segundo última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o desemprego subiu e hoje atinge 13,4 milhões de brasileiros, o temor do desemprego leva claramente a que as mulheres não se afastem de seus trabalhos, permanecendo assim exercendo suas funções onde lhes determinarem, ainda que num lugar insalubre e tendo interesse real na proteção da criança.
Assim, por não haver proteção efetiva das trabalhadoras gestantes e lactantes nesta lei, a decisão liminar suspendeu a eficácia da expressão “quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento”, presentes nos incisos.
Segundo o ministro Alexandre de Moraes, na decisão liminar e em matéria veiculada pelo Supremo, “a proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, pela impossibilidade ou pela própria negligência da gestante ou lactante em juntar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido”, destacou.
O que temos é um repasse de responsabilidade para a gestante e a lactante, que devem provar que não podem atuar num ambiente de insalubridade, quando de fato deveriam é ser protegidas desse ambiente, já tão prejudicial aos demais trabalhadores, quiçá quando envolve mulheres nestas condições e, o mais importante, recém-nascidos.
A CAUTELA NA DECISÃO É ABSOLUTAMENTE RELEVANTE
No transcorrer de décadas, trabalhadores sofreram inúmeras doenças decorrentes de suas condições de trabalho, não antecipadas pela medicina. Caso emblemático envolve o manuseio do amianto, nos quais os trabalhadores adoeceram, passaram a ter câncer ou mesmo morreram por conta de exposição ao produto, sendo que somente após inúmeras decisões da Justiça, sendo a mais recente delas proferida em 2017, também pelo Supremo Tribunal Federal, é que levou a efetiva adoção de medidas, inclusive com fechamento de fábricas de amianto, agora questionadas junto ao Senado Federal para reabertura.
Outro cuidado é que a definição do que é insalubre em grau máximo, médio ou mínimo é absolutamente relativo, pois, como bem nos ensina o juiz Homero Batista Mateus da Silva, em obra que trata da Reforma Trabalhista, poucos itens de fato são considerados de insalubridade em grau máximo ou mínimo nas relações de trabalho. Se as próprias normas regulamentadoras do extinto Ministério do Trabalho não tinham clareza dos riscos, difícil delegar tal tarefa a um médico, ainda que de confiança da trabalhadora.
Além de tudo isso, o mais relevante é que a questão ora em discussão não havia passado despercebida pelo Governo Federal. Antes de deixar o cargo, o ex-presidente Michel Temer já havia publicado a medida provisória 808/2017 na qual, dentre outras providências, revogava (retirava da norma jurídica) os incisos acima e agora suspensos, porque os considerava completamente inadequados, o que só provou a inabilidade dos parlamentares ao validar tamanho absurdo. Recordemos que a medida provisória é um ato emitido pelo Presidente da República, com força de lei, para antecipar situações emergenciais ou relevantes, até que o Poder Legislativo promova a criação das leis. Ou seja: retirar gestantes e lactantes de ambientes insalubres era uma medida urgente.
Porém, na época, era mais fácil aprovar uma reforma trabalhista absolutamente injusta, corrigindo-a aos poucos por meio de posteriores medidas provisórias, a melhor estudá-la e propor mudanças favoráveis efetivas, já que tanto se noticiava que as normas da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, por serem dos idos de 1943, eram obsoletas, o que não modificou na prática os artigos assim considerados, nem levou ao pleno emprego, outra mentira propagada na época da aprovação da reforma.
Mas, uma vez que a medida provisória 808/2017 não foi votada, deixou de existir e de produzir efeitos jurídicos, voltando a valer o teor da reforma trabalhista, agora suspenso pela decisão liminar do Supremo, o que nos leva a importante conclusão: o Judiciário e as ações judiciais continuam a ser o meio mais efetivo de obtenção de direitos no país. Se não fosse por esta suspensão liminar, qualquer trabalhadora gestante e lactante poderia ser exposta a ambiente insalubre, inadequado, gerando riscos à sua saúde.
Assim, a melhor maneira de se obter justiça ainda é através do Poder Judiciário que, por meio de medidas adotadas pelas entidades de proteção dos trabalhadores, caso das entidades sindicais por exemplo, e pelos advogados trabalhistas, que ingressam com tais medidas judiciais, podem corrigir retrocessos como os gerados pela Reforma Trabalhista, sendo essencial então que estes profissionais e entidades sejam prestigiados pela classe trabalhadora.
Janaina de Santana Ramon é advogada trabalhista, sócia do escritório Crivelli Advogados e membro da Comissão de Direito Sindical da OAB/SP